A língua materna ensina-se ou aprende-se?

A língua materna ensina-se ou aprende-se?

É espantoso ouvirmos crianças pequenas a produzirem as primeiras palavras, as primeiras frases... e mais espantoso ainda quando nos damos conta de que conseguem compreender enunciados complexos... e tudo isto sem, necessariamente, ter ouvido antes essas palavras, essas frases e esses enunciados! De que competências são elas dotadas para conseguirem criar, recriar e exprimir uma língua com a qual estão meramente em contacto?

Durante a primeira infância, ainda num estado de “adquirente da linguagem”, a criança vai interagindo e respondendo à voz da mãe e de outras pessoas do seu meio envolvente. Mais tarde, vai testando as produções das suas primeiras palavras e frases, sendo até possível assistirmos a explorações linguísticas que visam o aperfeiçoamento do seu desempenho. Tal não resulta, contudo, de uma aprendizagem por não depender de uma actividade e vontade conscientes. Pois a produção e a perceção orais (falar e escutar) resultam de uma aquisição intuitiva. Com efeito, a aquisição da linguagem consiste num “processo através do qual o indivíduo aprende a sua língua materna, adquirindo as regras de funcionamento dessa língua por simples exposição à sua utilização no contexto em que está inserido” (1992, Dicionário de Termos Linguísticos, Xavier & Mateus).

Uma dos treinos linguísticos experimentais da criança é a “imitação”. De facto, sempre que encorajada a fazê-lo, a criança imita com prazer as produções do adulto. Contudo, tal como outras estratégias de estimulação, a imitação consiste numa mera ferramenta desta caminhada. Na verdade, a aquisição e o desenvolvimento da linguagem decorrem, entre outros exercícios cognitivos e psicofisiológicos, de analogias linguísticas: nem crianças nem adultos precisam de estar expostos, sequer uma vez, a um determinado enunciado linguístico para conseguir expressar ou compreendê-lo. A criança ouve, percepciona, processa e é capaz de compreender e de expressar frases nunca antes ouvidas uma vez que tem capacidade para generalizar a outras estruturas similares.

Em suma, fala-se de intuições linguísticas que promovem a aquisição natural da língua, sem intervenção de processos elaborados de compreensão e fala-se de aprendizagem quando estão em causa outras competências como o desenvolvimento (meta)linguístico, a leitura e a escrita (Ferraz, 2007). A língua materna adquire-se naturalmente enquanto que os processos de desenvolvimento mais complexos se aprendem. Assim, a aprendizagem pressupõe ensino.



Dina Caetano Alves